Impostoras de sucesso: a síndrome afeta mulheres nas mais diversas profissões

CEOs, empresárias, diretoras e gerentes. Diferente do que o senso comum pode apontar, a síndrome da impostora vai atingir 70% das pessoas bem-sucedidas em algum momento de suas vidas profissionais, de acordo com uma pesquisa desenvolvida pela psicóloga Gail Matthews. Michelle Obama, ex-primeira-dama dos Estados Unidos da América; Sheryl Sandberg, chefe operacional do Facebook; Kate Winslet, atriz britânica vencedora do Oscar: essas são só alguns dos exemplos notórios de mulheres influentes e poderosas que ainda se veem como fraudes.

Um estudo realizado pela Universidade do Texas, publicado no Journal of Counseling Psychology, (Jornal de Psicologia de Aconselhamento, em tradução livre), afirma que a síndrome da impostora é a experiência de se sentir uma farsa intelectual, apesar das dimensões de suas conquistas.

Iana Chan, Jornalista formada pela Universidade de São Paulo, é CEO e fundadora da PrograMaria – uma iniciativa que tem como missão empoderar mulheres por meio da tecnologia e da programação – e também sente que, principalmente pelo ambiente majoritariamente masculino em que atua, acaba sendo posta à prova diariamente.
“O trabalho sempre fez parte da minha identidade. Desde antes de começar, de fato, a trabalhar. Então, essa ideia de produção, produtividade e educação, sempre foi atrelada ao meu valor”, conta ela, que vem de uma família de imigrantes chineses.

“As famílias asiáticas dão muito valor para educação e para desempenho. Então, desde criança, os meus pais exigiam que eu estudasse e tivesse um foco muito grande nos resultados, em passar de ano e tirar notas boas. (…) Essa minha vivência sempre foi pautada pelo que eu entregava. E por isso sempre teve esse aspecto de pautar o meu valor e de dar significado para minha existência”, afirma.

Por conta disso, Iana – que se considera hoje uma “impostora em reabilitação” – acabou por frequentemente priorizar aquilo que estava realizando, acima de seu próprio bem-estar. “Realmente ultrapassei meus limites, não conseguia estabelecer quando era bom o bastante”, conta.

“Não me sentia boa o suficiente, acho que por receio de não entregar bem aquilo que eu estava fazendo. Então tem essa característica, de se preparar demais, de fazer muito mais do que é o esperado. Parece que nunca é suficiente. Para fazer um texto, eu vou ler vinte textos para fazer esse resumo, checar cinquenta referências. Estamos sempre buscando essa confiança nos elementos externos até ficarmos exaustas. (…) É muito cruel”.

Iana Chan

As impostoras em um mundo de homens

A empresária, que atua em um nicho socialmente considerado como masculino, já enfrentou muitos desafios com a PrograMaria. “As mulheres precisam participar do futuro. Queremos que elas sejam capazes de produzir tecnologia e não apenas consumi-la.”, aponta Iana, que já sofreu diversas situações de machismo.

“As mulheres sempre têm seus conhecimentos contestados. Eu já trabalhei em ambientes majoritariamente masculinos, já fui a única mulher em salas de reunião”, relembra. “E você não se sente em um ambiente seguro, sente que é diferente. Uma vez que você começa a reparar nas relações de gênero, em um lugar que só tem homens, começa a sentir que não pertence.”.

Lembrando que a síndrome da impostora atinge, em maioria, grupos marginalizados e oprimidos. Já que, como minorias sociais, são postos dentro de um sistema patriarcal que propaga a narrativa dominante, segundo o estudo de Edwards, C. W. (2019), no artigo “Overcoming Imposter Syndrome and Stereotype Threat: Reconceptualizing the Definition of a Scholar” (Superando a Síndrome do Impostor e a Ameaça do Estereótipo: Reconceituando a Definição de um Acadêmico, em tradução livre).

Não ser ouvida, ser interrompida constantemente, não receber atenção e nem crédito são microviolências recorrentes na vida de Iana. “Você não se vê representada nos espaços, na liderança.”, compartilha.

A falta de referências positivas para todos os grupos em situação de “periferia social” dificulta a quebra de estereótipos e papéis de gênero. “Todas as conquistas parecem que foram por acaso, que poderiam ter acontecido com qualquer pessoa”, afirma ela, contando que frequentemente acredita que suas vitórias profissionais foram baseadas no fator “sorte”.

A escalada é ainda mais íngreme para mães impostoras

A maternidade e a dupla jornada também são aspectos latentes, tanto em termos de reconhecimento, quanto em termos de representatividade. De acordo com o estudo “The Importance of Motherhood among Women in the Contemporary United States” (A importância da maternidade entre as mulheres nos Estados Unidos contemporâneos, em tradução livre), realizado por J. McQuillan, A. L. Greil, K. M. Scheffler e V. Tichenor, afirma que o sucesso de mulheres mães é ainda mais difícil.

Também ligadas à cobranças externas, as mulheres são exigidas de vários ângulos. Além de existir a concepção social que associa o gênero feminino à maternidade (Ridgeway e Correll, 2004) e enxerga como negativo as que se desviam desse caminho, as mulheres que têm filhos também precisam se esforçar duplamente em sua carreira profissional.
A psiquiatra Cristina Rodrigues, mãe e divorciada, é dona de sua própria clínica médica, mas diariamente tem que responder a questionamentos sobre como cuidar de sua filha de cinco anos.

“Foi uma decisão nossa [junto com meu ex-marido] de não ter uma babá e colocar a Júlia em uma escolinha de bebê quando ela tinha cinco meses.”, relembra. “Aí as pessoas sempre perguntavam com quem ela ficava [quando estávamos trabalhando]. E eu respondia que estava na escola e todo mundo falava: ‘Ai, tadinha! Tão pequena’. (…) Essa cobrança era uma coisa constante”, diz ela.

Uma pesquisa norte-americana feita em 2020 pela Great Place to Work e uma startup de saúde, Maven, mostra que apenas por serem mães que trabalham, as mulheres têm 28% a mais de chances de sofrer de burnout do que os pais. Isso significa que, apenas nos EUA, existem 2,35 milhões de casos adicionais de burnout devido às demandas desiguais de tarefas domésticas que são feitas às mães que trabalham. Além disso, a pesquisa mostra que os casos de burnout são ainda maiores entre mães negras, asiáticas e latinas.

Dessa forma, independentemente das escolhas que Cristina fazia para sua filha, as pessoas sempre davam um jeito de opinar de maneira negativa. “Depois que eu me separei, as pessoas ficavam: ‘Nossa, mas você deixa sua filha com o pai?’ Como se o seu pai não fosse tanto quanto a mãe”, relembra a médica. “A partir do momento em que você se torna mãe, você não pode ser mais nada em paz. As pessoas vão te questionar o tempo todo sobre o que você está fazendo quando não está com a sua filha – e isso é exaustivo.”

Yara Alvarez, mãe e profissional de comunicação interna, também se sentiu desamparada em termos profissionais e pessoais, especialmente após seu divórcio e morte de seu pai. “Eu sou filha única e há três anos meu pai faleceu. Antes do divórcio era mais complicado, porque meu ex-marido não admitia que eu desse atenção à minha mãe. (…) Agora, o que sinto é que minha atenção é cada vez mais exigida, e às vezes eu só quero ficar sozinha”, conta.

Mesmo ocupando cargos altos, a profissional de comunicação conta que o ambiente machista e tóxico também foi um fator que intensificou seus sentimentos de impostora. “Lembro das minhas ideias serem invalidadas e depois serem colocadas na mesa pelo mesmo homem que as invalidou. Ou nunca ter voz. Na época eu não sabia nomear aquilo.”, relembra.

Com o divórcio, a jornalista também viu mudanças em seus constantes fluxos de pensamentos sabotadores. “Eu passei a acreditar que sou capaz de ser a minha própria companhia, de me manter [financeiramente], de criar meu filho e ir atrás das minhas coisas. Recentemente eu troquei de carro e foi a primeira vez que enchi a boca para falar sobre a minha conquista.”

Hoje, Yara até consegue colocar a situação em perspectiva e, como ela mesma diz, entende que merece estar, sim, em seu “próprio pedestal”. No entanto, de maneira prática, ela ainda não se sente valorizada no mercado de trabalho.

“Meu olhar sobre mim neste quesito ainda está longe de ser bom. A concorrência é acirrada e se você não corre atrás de se reciclar, um trator passa por cima. Depois de toda essa movimentação na minha vida (gravidez, perda do meu pai e divórcio), eu abandonei os estudos. Ou melhor, preferi focar meus esforços em me curar, por isso que acho que agora, eu não sou reconhecida.”, finaliza.


*(Créditos imagem de destaque: heckmannoleg/Canva; Hein e U.S Department, Rawpixel).

Gabriela Sartorato e Laura Ferrazzano

Jornalistas concluindo a graduação através de um projeto sobre como a Síndrome da Impostora se manifesta na vida das mulheres.